domingo, 13 de dezembro de 2009

Quarto Minguante


Há duas semanas, me perguntaram no Twitter se eu pertencia ao Edward Team ou ao Jacob Team. Como, até então, não tinha conhecimento enciclopédico suficiente para construir sentido ao que me foi perguntado, e, na tentativa de não parecer ignorante, respondi com o silêncio. Em vão. Na rede de microblogs, insistentemente permaneceu ecoando de meus seguidores o mesmo coro e eu sem nada entender. Havia o mundo se dividido em dois grandes grupos e nada me foi avisado?


Em um site de aglomerados, encontrei a chave de tudo. A tal divisão, longe de ser prenúncio de uma nova guerra, era reflexo da estréia mundial “Lua Nova”, continuação de “Crepúsculo”, blockbuster adolescente que virou fenômeno mundial, e que arrecadou mais de 200 milhões de dólares nos primeiros 10 dias de exibição nos Estados Unidos. No primeiro filme da série inspirada nos livros de Stephenie Meyer, Bella (Kristen Steward), uma adolescente solitária, se apaixona pelo vampiro Edward (Robert Pattinson). Agora, com a nova versão, Jacob (Taylor Lautner), um humano por vezes lobo, se torna vértice de um triângulo amoroso entre a garota humana e seres sobrenaturais.


A novidade do segundo filme dividiu os fãs: uns acreditam que Bella deva seguir firme com o amor pelo pálido Edward; outros defendem que ela deva ceder aos músculos do corajoso Jacob. Aos não-fãs, sobraram os 130 minutos de um filme com diálogos pobres e interpretações sofríveis.




Publicado dia 04/12/2009, na coluna CineComentário, Caderno Na Mira, de O Estado do Maranhão


domingo, 25 de outubro de 2009

II GUERRA BY TARANTINO


É sempre assim. Todo novo filme de Quentin Tarantino é uma prova de como a cultura pop se re-inventa nela mesma. Em Kill Bill, a influência oriental (representada pelos animes e pelas artes marciais) foi apenas um dos pontos que caracterizavam a eletrizante saga da noiva samurai em busca de vingança. Cães de Aluguel e Jackie Brown são, de certa forma, releitura de filmes policiais. Agora, com Bastardos Inglórios, que estreou semana passada em circuito nacional, Tarantino re-inventa não apenas a cultura pop mas também a própria história.

A nova produção do diretor norte-americano é uma versão “tarantina” sobre a II Guerra Mundial. Na França, já ocupada por nazistas, um grupo de soldados judeus chamado “Basterds” leva o terror para toda a parte, matando todo e qualquer alemão que encontra pela frente. Mas não é só isso: eles também planejam assassinar o líder nazista judeu usando uma jovem francesa, proprietária de um cinema.

Quando Bastardos Inglórios estreou em Cannes, a releitura história impressionou tanto que o filme foi considerado como uma forma de vingança judaica. Na verdade, a idéia original de Tarantino era fazer um documentário escolar sobre a II Guerra Mundial ou transformá-lo em uma mini-série de 12 horas. Não vingou – ainda bem. A história precisava ser re-contada.

*publicado na edição de 23/10/2009 do caderno Na Mira - O Estado do Maranhão

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Britney para as câmeras



Filmar documentários sobre os bastidores da vida pública é quase costume no mundo da música. Madonna, por exemplo, tem dois para mostrar que vive a vida de uma mulher “normal”; os Rolling Stones registraram em Shine your light o que acontecia por trás da turnê A Bigger Band.

Este ano, é a vez de Britney Spears, com For the Record, um recém-lançado documentário filmado durante os dois dias que antecedem a grande noite em que a cantora recebeu três estatuetas da mais importante premiação de videoclipes da indústria musical, o MTV Video Music Awards.

Um ano antes, era quase impossível acreditar que Britney Spears fosse premiada com coisa qualquer. É que, em 2007, a cantora americana completava dois anos afastada dos estúdios e dos palcos por conta de duas gravidezes. Além disso, nesse mesmo ano, Britney raspou a cabeça, atacou um fotógrafo com guarda-chuva, quase derrubou o filho recém-nascido na rua, apareceu chorando em um restaurante, foi fotografada em festa sem calcinha, foi flagrada usando drogas, atropelou um fã, chorou durante três entrevistas diferentes transmitidas em rede nacional nos Estados Unidos, perdeu a guarda dos filhos, se internou em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos, fugiu da clínica, foi levada amarrada na maca para um hospital...

Chegada a hora de se redimir, Britney Spears decide explicar, em documentário de 60 minutos, o porquê de tanta polêmica. Tenta explicar, na verdade. Em meio a perguntas, respostas vagas, como “Sou uma pessoa esperta, me pergunto ‘porque eu fiz isso tudo?” ou “Acham que fiquei louca, mas raspar a cabeça é normal”.

Afirmações como estas sustentam o argumento de que Britney Spears é apenas mais um produto da indústria musical: nem mesmo em um documentário produzido a pedido da própria cantora, ela consegue se desprender da artificialidade que lhe envolve a carreira.



*publicado na edição de 14/08/2009 do caderno Na Mira - O Estado do Maranhão

sábado, 25 de julho de 2009

Criança também pensa

Filme infantil é sinônimo de histórias cheias de efeitos especiais sobre crianças em busca de fórmulas mágicas, certo? Nem sempre. A animação “Era do gelo 3: despertar dos dinossauros”, que estreou este mês no circuito nacional, aborda temas para além do universo infantil.

Nesta terceira edição da série, dirigida pelo consagrado animador brasileiro Carlos Saldanha, a história gira em torno do nascimento do primeiro filho de Manny, o mamute amargurado que, por perceber as responsabilidades da paternidade, começa a deixar de lado seus amigos para dar mais atenção à sua mulher. Sentindo-se isolada, a divertida preguiça Sid decide também experimentar o lado paterno e sai em busca de um filho para chamar de seu.

É nesse contexto que, ainda que de forma sutil (até por conta do público ao qual se destina), se trata sobre o que é família nos dias atuais. De um lado, Manny com a família tradicional (pai, mãe e filho); de outro, Sid, com as diferentes possibilidades de se construir família na ausência de um pai ou de uma mãe. Aliás, pelo filme, pode-se considerá-los, inclusive, construtos sociais - Sid, preguiça-macho, adota seus filhos e diz ter-se tornado “mãe”, apontando para a freqüente inversão de papéis nos dias atuais.

O amor também é abordado no filme – em trechos, por exemplo, da paralela história do esquilo dentuço, presente em todas as versões de “Era do Gelo”. Nesta aqui, ele disputa comida com um esquilo-fêmea, por quem acaba se apaixonando, o que faz acreditar que o amor está para além de qualquer outra coisa – será?


*Publicado na edição de 24 de julho de 2009 do Caderno Na mira - O Estado do Maranhão

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Trilogia tem fim em 3


Dar continuidade a um filme é arriscado. Ressuscitar uma franquia clássica, eternizada em uma trilogia mega-produzida que conquistou críticos, é mais arriscado ainda – especialmente em se tratando da franquia “O exterminador do futuro”, cuja quarta versão chegou aos cinemas brasileiros na semana passada.

Dirigido por McG (o mesmo de As panteras), “O exterminador do futuro – Salvação” (Terminator – Salvation, EUA, 2009) se passa em 2018, quando John Connor se torna líder de uma equipe de resistência humana que luta contra o império das máquinas comandadas pela rede computadores Skynet. Nessa guerra, dois fatos inesperados: John precisa resgatar Kyle Reese, um personagem-chave na trama; e o re-aparecimento de Marcus Wright (o australiano estreante Sam Worthington), um criminoso que sofreu pena de morte e que misteriosamente desperta sem noção do que aconteceu.

Salvação retoma os episódios anteriores da trilogia, sobretudo os dois primeiros, o que faz com o espectador não se sinta perdido, mesmo sem ter visto sequer um dos outros filmes. Mas talvez tenha sido esse o erro de McG: são constantes as referências aos filmes dirigidos por James Cameron – por exemplo, a famosa cena de perseguição de Terminator 2. Há, inclusive, espaço para o ciborgue T-800, encarnado por Arnold Schwarzenegger, cuja participação se deu graças aos efeitos especiais que colou o rosto do ator australiano ao do ator Roland Kickinger.

Nesse quarto Exterminador, até a participação do Batman Christian Bale é fraca: pouco convincente, ele não consegue expressar todo espírito de messias pós-apocalíptico que John Connor carrega. Destaque mesmo vai para o estreante Worthington que interpreta o personagem menos fraco do filme – a ele, de fato, coube a salvação.


*versão integral do texto publicado em Caderno Na Mira - O Estado do Maranhão (12/06/2009)

sábado, 30 de maio de 2009

Biografia e animação



BIOGRAFIA EM ANIMAÇÃO

Irã. Final da década de 70. A Revolução Islâmica dava os primeiros passos, culminando com a chegada dos fundamentalistas ao poder; a liberdade do povo iraniano, aos poucos, ia sendo comprometida: mulheres eram forçadas a usar véu, e quem se rebelasse contra as ordens do governo seria mandado para a prisão. É nesse contexto que a animação “Persépolis” narra a trajetória, da infância à idade adulta, da destemida Marjane Satrapi em busca de sua identidade.
Essa relação entre a Marjane Satrapi e a História é mais forte do que se pensa. Satrapi não é apenas uma personagem: ela, de fato, existe – é a produtora do filme e autora da obra original que serviu de base para a adaptação para os cinemas.

Nascida no Irã, de família iraniana com raízes francesas, a mestre em Comunicação Visual Marjane Satrapi sentiu na pele as conseqüências do novo regime de seu país. Assim como a personagem do filme, aos 14 anos, foi mandada para a Viena, na Áustria, para estudar e se resguardar dos problemas que poderiam surgir. Longe da família que tanto amava, perdeu a adolescência em casas de desconhecidos, alimentando sentimentos que intercalam a vergonha de ser iraniana e o orgulho de sentir a esperança de um dia ser livre em seu próprio país.

Nessa busca pelo saber o que se é, surge a simpatia pelos movimentos underground e pela cultura internacional. Marjane gosta de rock, ouve Abba e veste camisa do Michael Jackson. Em uma cena, canta “Eye of the Tiger”, canção da banda americana Survivor, eternizada na trilha sonora do filme Rocky III. Marjane não sabe o que é. Mas sabe o que quer ser.

Assim, dá-se enfoque na família como basilar para a construção do caráter da jovem. No filme, enfatiza-se o papel da avó, que sugere atitudes e aconselha comportamentos para não cair nas armadilhas da juventude.

Indicado para o Oscar 2008 de “Melhor Animação” (o premiado foi Ratatouille), Persépolis” pode ser encarado como um desabafo. Mesmo tendo sido lançado nos cinemas americanos pela Sony Pictures, o filme não foi dublado para a língua inglesa: conservou-se o áudio original, com as vozes das atrizes francesas Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve e Danielle Darrieux, que dão voz e tom para Marjane, sua mãe e sua avó, respectivamente. Melhor assim: o fervor sonoro de cada fonema da língua francesa carrega o peso do protesto que Marjane Satrapi quis fazer entendido.

Publicado dia 29/05/2009, no caderno "Na mira", de o Estado do Maranhão.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Um país em quatro rodas


Quem assistiu “Gran Torino” deve ter-se questionado sobre o porquê da não indicação do filme ao Oscar 2009. Lançado no final do ano passado nos Estados Unidos, e no início deste ano aqui no Brasil, o filme marca o retorno de Clint Eastwood aos cinemas, após um hiato de quatro anos desde sua última atuação, “Menina de ouro”.

Mas não é a presença de um dos maiores nomes do cinema americano que faz de “Gran Torino” uma obra digna de indicação a mais importante cerimônia de premiação do cinema. “Gran Torino” é visceral.

É preciso se pensar sobre o próprio título do filme. Poder-se-ia tê-lo nomeado em referência ao glamouroso carro da Ford “Crown Victoria”; ou ainda em retomada ao estilo despojado e esportivo de um Mustang. Mas não. Preferiu-se Gran Torino, que, como veículo, carrega uma bagagem histórica: foi o carro típico dos cidadãos de classe média dos Estados Unidos na década de 70.

Mesmo sendo elemento-chave para a construção do enredo filme, a trama gira em torno de Walt Kowalski, um ex-montador de carros que mora em um bairro da cidade de Detroit onde não mais existem americanos – seus vizinhos são todos imigrantes asiáticos da etnia Hmong. Uma ironia, considerando a história de vida de Kowalski, que, quando mais novo, foi recrutado para a Guerra da Coréia, o que lhe fez alimentar uma paranóia contra a cultura e a gente asiática.

Assim, três palavras são suficientes para descrever Kowalski no primeiro momento do filme: ranzinza, rabugento e solitário. Nem seus próprios filhos conseguem aturá-lo. Entretanto, tudo muda quando Thao, seu vizinho asiático tenta lhe roubar o Gran Torino que guarda na garagem.

Na verdade, o que se percebe com o personagem Kowalski é a tentativa de desconstrução de uma imagem que se construiu dos Estados Unidos: uma potência imutável. O próprio Clint Eastwood, consagrado por participações em filmes western, gênero cinematográfico tipicamente americano, contribuiu para construir uma dessas imagens, como quando eternizou, em “Perseguidor Implacável” (1971), o personagem Dirty Harry, cujo amigo inseparável era uma Magnum calibre 44.

Kowalski, mesmo rijo, vê-se em uma situação em que mudar é mais que necessário, é vital. E é nesse sentido que a disjunção entre o carro e o ex-operário pode ser interpretada como a relação entre o que se foi e o que se deve ser. Um tema conveniente para o cinema americano em um ano marcado pela virada democrática.

Publicado no caderno Na Mira - O Estado do Maranhão, de 08 de maio de 2009